terça-feira, 25 de março de 2008

Os jesuítas e a música na América Portuguesa - II

O trabalho começa com uma história da Companhia de Jesus e de sua atuação nas terras portuguesas da América. Obviamente, esta parte do trabalho é de segunda mão – uma síntese de outras obras que já tratam do tema. Falta o traquejo de historiador para tratar, por exemplo, do tema das discussões religiosas e do contexto intelectual no qual os jesuítas surgiram no século XVI. Falta também um alcance mais amplo na explicação da expulsão dos jesuítas como parte da política pombalina.

A maior parte do texto é de listagem, relato, transcrição e citação de documentos. Há uma seção em que o autor relata todos os colégios e igrejas fundados pelos jesuítas nas terras portuguesas (ficam excluídas as regiões missioneiras que hoje pertencem ao Rio Grande do Sul, mas que na época eram terras espanholas) – a faixa litorânea que vai do Pará a Santa Catarina. Há também outra seção em que o autor discorre sobre todos os instrumentos musicais mencionados nos documentos, sejam cartas ou relatórios produzidos pelos padres ou sejam os inventários civis feitos após a expulsão dos jesuítas das terras portuguesas.

Há ainda uma seção em que o autor comenta as disposições sobre o uso da música nos vários regulamentos da Companhia de Jesus na Europa. Aqui, é curioso descobrir que Loyola proibia seus religiosos de fazerem música, para que não perdessem o tempo que deveriam dedicar à atividade missionária e à assistência. Os grupos jesuítas europeus que mantiveram o uso da música o fizeram à revelia de determinações superiores, o que ocorreu principalmente em terras alemãs. Talvez pelo prestígio que lá tiveram os hinos luteranos, aqueles missionários católicos não poderiam deixar de oferecer também sua própria forma de música.

Mas a parte do trabalho que é realmente mais interessante é o trecho em que o autor analisa o uso que os jesuítas fizeram da música em suas atividades na América Portuguesa. Este é verdadeiramente o objeto do trabalho, apesar de aparecer um pouco tarde. Esta é a parte final do trabalho, e está nas páginas 149 a 205.

Holler então demonstra como:

A prática musical é permitida como uma ferramenta de conversão do gentio; nos estabelecimentos urbanos, pode ser utilizada em eventos sacros, desde que seja restrita a determinadas ocasiões, e que não seja realizada pelos padres, para que estes possam ocupar-se do cuidado com o bem espiritual. (p. 149)

O autor sugere que o uso da música pelos jesuítas tenha sido uma conseqüência natural da atração que os índios sentiam por ela. O ensino de música aos índios tornou-se uma das estratégias. O mais comum era os padres “adotarem” meninos índios, assim como já faziam com órfãos vindos de Portugal, ensinando-lhes música, entre outras coisas. A formação de índios músicos também ajudava a fazer contato com tribos hostis, pois eles eram levados como espécie de embaixadores dos padres.

Holler demonstra que os jesuítas perceberam que era muito mais efetivo usar a cultura indígena para a catequização, por isso eles empregavam os instrumentos musicais e as melodias indígenas para cantar os cantos sacros católicos.

O regulamento dos jesuítas proibia os monges de dedicarem-se à atividade musical, para não lhes tomar o tempo que deveria ser dedicado às atividades estritamente religiosas. Por causa disso, eles passaram a ensinar música aos índios para que estes assumissem a função de músicos durante a liturgia nos aldeamentos. Já nas regiões urbanas, as restrições à participação dos jesuítas nas atividades musicais eram seguidas mais estritamente. Por isso, segundo Holler, a documentação menciona sempre música feita por elementos externos nos eventos musicais dos colégios jesuítas – geralmente beneditinos ou carmelitas, ou até músicos profissionais contratados. Pelas mesmas razões o ensino de música nos colégios e seminários jesuíticos era feito por pessoas externas à ordem.

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